quarta-feira, 14 de outubro de 2009

o pesado das nuvens



Estranhamente naquele domingo de céu nublado, ele acordou sem sono às oito horas da manhã. Após um espreguiçar sem bocejos, procurou inutilmente pelos chinelos andantes, que jurara ter deixado ao lado da cama. Foi até o banheiro a passadas miúdas e bochechou apressado o anti-séptico de sabor vibrante amargo. Ele não teve vontade de lavar o rosto.

Vestia um pijama verde pálido, de mangas já curtas para os seus mais de vinte anos. As mãos seguraram forte a pia quando ele ergueu o rosto e não reconheceu a si mesmo no espelho. Quem era aquele homem de cabelos ralos e com marcas de expressão profundas? Que motivos justificariam aquelas olheiras densas, que contrastavam violentamente com a branquidão de sua pele?

As perguntas cessaram rapidamente, assim como a água no fechar da torneira. Ele teve medo das respostas. Deixou a porta do banheiro entreaberta e pôs-se a caminhar pela casa, tal como um inseto noturno hipnotizado pela luz artificial das lâmpadas. Na sala, sentou-se sobre uma ponta de sofá e ligou a televisão em um canal colorido qualquer. O unido de movimentos, sons e cores, contudo, de quase nada adiantou. Logo ele estava concentrado num vazio de parede branca, refletindo sobre as atitudes e escolhas que o fizeram estar ali e naquela situação.

O ferver barulhoso do chá de maçanilha o trouxe de volta para o mundo do concreto. Ele levantou ligeiro, antes mesmo de ter recuperado o norte, e caminhou descalço pelo piso úmido da cozinha. Desligou o fogo e procurou em vão por xícaras limpas no armário aéreo de prateleiras côncavas. Lavou, sem esponja ou sabão, aquilo de que precisava e mais alguns talheres.

O chá foi bebido em poucos goles. Uma falta de vontade de tudo o havia invadido naquela manhã. Ensaiou reação quando quis abrir seus e-mails. A máquina, no entanto, contaminada pelos próprios maus comandos dele, insurgiu. Tentou duas, cinco, mais de vinte vezes. Ela insistiu indiferente e morta.

Aquele acontecido, que até poderia ser entendido como banal, foi mais do que sua razão conseguiu suportar. Imagens de seus últimos insucessos apareceram, agora, amontoados e sem nenhuma parcimônia. Decidiu ligar o computador mais uma vez. Ele precisava tanto de uma conquista. Nada, nada e nada. Ele riu desesperado. Ainda tentou fugir em alguma memória feliz. A louça suja e as roupas emboladas sobre a cama o seguraram naquela realidade.

Chorou. Chorou um choro jamais chorado. Permitiu-se soluçar, fazer caretas e o que mais necessário fosse para expressar a dor que sentia. Chorou tudo o que um dia quis chorar. Chorou as lembranças que não teve do avô, os momentos felizes na faculdade, os beijos que não foram dados. Chorou sem culpa, sem vergonha, sem medo. Chorou até cansar de chorar.

As lágrimas então partiram. Ele abriu as cortinas de todas as janelas da casa para arejar a alma. Ignorou o pesado das nuvens e aumentou o som da televisão para ouvir melhor uma música francesa de estilo nonsense. Juntou a xícara que havia deixado no chão e a lavou por primeiro. Ele fez questão de fazer bastante espuma enquanto limpava a casa.

Um comentário:

  1. Que bela surpresa este lugar. Eu nem sabia que vc estava em SP. Adorei aqui. Um beijo e sorte. Sempre.

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